quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Contatando Garibaldi


O italiano Giuseppe Garibaldi

É bem provável que o Presidente Lincoln, ao saber do ocorrido, tenha se deixado contaminar pela situação ordenando que algum enviado seu fizesse contato com Giuseppe Garibaldi, o paladino do Risorgimento, a unificação nacional italiana. Um ano antes, numa campanha relâmpago comandada por ele, Garibaldi - chamado de o Herói dos Dois Mundos -, e seus Mille, os voluntários de camisa vermelha que o acompanhavam na aventura, derrotara o exército do Rei de Nápoles. Numa ação fulminante, vindo de Gênova só com dois barcos, desembarcando de surpresa na Sicília em 10 maio de 1860, ele tomou Palermo. Dali, voltando à península através do estreito de Messina, marchou até Nápoles que rendeu-se ao grande capitão em 7 de setembro de 1860. Com apenas 1.400 homens Garibaldi superara um exército de mais de 20 mil soldados, tal o entusiasmo patriótico que ele despertava na população que pegava em armas por onde o condottieri passava.

O feito foi tão extraordinário que a intelectualidade européia, de Victor Hugo a Alexandre Dumas, saudou "a fantástica aventura". Friedrich Engels, o companheiro de Marx, um expert em assuntos militares, considerou o feito de Garibaldi como "uma das proezas militares mais assombrosas do nosso século e que seria quase inexplicável se o prestigio do general revolucionário não houvesse precedido a sua marcha triunfal"(New York Daily Tribune, 2 de junho de 1860).

Após ter feito a ilha da Sicília e a cidade de Nápoles integrarem-se ao restante da Itália, Garibaldi desmobilizou-se. Rejeitou o grau de general que o Rei Vitório Emanuel II lhe oferecera e retirou-se para o seu refúgio na ilha de Cabrera nas Baleares. Provavelmente foi lá que um emissário de Lincoln o alcançou. Sabe-se disso pela descoberta feita recentemente pelo pesquisador Arrigo Petracco de um documento encontrado entre os haveres da Casa de Savoia, a família real italiana. Nele, Garibaldi comunica ao rei, numa espécie de satisfação, o resultado do encontro. No pequeno cartão postal escreveu: "Sua Alteza, o presidente dos Estados Unidos ofereceu-me o comando do seu Exército e eu me sinto obrigado a aceitar essa missão em favor de um país do qual sou cidadão." (Garibaldi ao Rei Vitório Emanuel II, 1862)

A América e Garibaldi: desde 1836, quando viajara exilado para o Brasil, o condottieri italiano estreitara suas relações com a vida política da América. Mal pôs os pés no cais do Rio de Janeiro aceitou lutar ao lado dos rebeldes na Guerra dos Farrapos na Província do Rio Grande do Sul, travada contra o Império brasileiro(entre 1835 e 1845). Mais tarde, envolveu-se com as lutas no Uruguai, participando do sítio de Montevidéu em 1843.



Garibaldi tomando Palermo na Sicília, 1860

O nome de Giuseppe Garibaldi tornou-se legendário pelas façanhas incríveis que era capaz de realizar, como da vez em que no Rio Grande do Sul transportou um barco com auxilio de carros de boi, por uns cem quilômetros, da Lago dos Patos até o litoral do Atlântico, e dali, navegando rumo à cidade de Laguna em Santa Catarina, emboscou os navios imperiais. Foi nesta pequena cidade a beira mar que teve uma abrasante paixão por uma moradora local, Anita, que abandonou o marido para segui-lo numa vida de aventuras. Retornando à Itália mais tarde, em 1848, participou da Primavera dos Povos como representante na Assembléia Nacional reunida em Roma em 1849. Fracassada a unidade nacional, ele reembarcou para América, aportando em Nova Iorque em 1850. Ao retornar à Itália em 1858, assumiu o comando dos Caçadores Alpinos que lutaram contra os austríacos pela unificação da península, articulada pelo Conde de Cavour, Ministro do Reino Sardo-piemontês.

Considerações sobre o convite de Lincoln: Garibaldi via-se um combatente da liberdade, sempre disposto a desembainhar a espada por uma boa causa quando ela aparecia. Assim não se deve estranhar nem o convite, nem Garibaldi inicialmente tê-lo aceito. Porém a viagem para salvar o Norte não se deu. Uns estudiosos apontaram que o motivo foi Lincoln ter-se negado, ainda aquela altura, decretar a abolição da escravidão (decisão que Lincoln somente oficializou com a Proclamação da Emancipação, assinada em 1º de janeiro de 1863, depois da vitória nortista em Antietam), o que desgostara Garibaldi, fazendo-o desistir. Historiadores norte-americanos por sua vez dizem que o convite jamais foi para que Garibaldi assumisse o comando supremo (General-in Chief of the Armies of the United States), mas sim o posto de general-de-brigada. Lincoln, dizem eles, não ousaria entregar o exército norte-americano inteiro, envolvido numa guerra civil, a um estrangeiro, mesmo a uma lenda viva como era Garibaldi. Outros ainda acreditam num mal entendido. Seja como for Garibaldi não veio.

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